03/09/2012

Afinal, o que é inteligência?



 

Isaac Asimov


Quando eu estava no exército fiz um teste de aptidão, solicitado a todos os soldados, e consegui 160 pontos. A média era 100. Ninguém na base tinha visto uma nota dessas e durante duas horas eu fui o assunto principal.


Isso não significou absolutamente nada e no dia seguinte eu ainda era um soldado raso da KP - Kitchen Police.


Durante toda minha vida consegui notas como essa; o que sempre me deu uma ideia de que eu era realmente muito inteligente. E eu imaginava que as outras pessoas também achavam isso.


Porém, na verdade, será que essas notas não significam apenas que eu sou muito bom para responder um tipo específico de perguntas acadêmicas consideradas pertinentes pelas pessoas que formulam esses testes de inteligência e que provavelmente têm uma habilidade intelectual parecida com a minha?


Por exemplo, eu conhecia um mecânico que jamais conseguiria passar em um desses testes. Acho que não chegaria a fazer 80 pontos. Portanto sempre me considerei muito mais inteligente do que ele.


Mas, quando acontecia alguma coisa com o meu carro e eu precisava de alguém para dar um jeito rápido, era ele que eu procurava. E eu observava curioso como ele investigava a situação enquanto fazia seus pronunciamentos sábios e profundos como se fossem oráculos divinos. No fim ele sempre consertava meu carro.


Agora imagine se esses testes de inteligência fossem preparados pelo meu mecânico, ou por um carpinteiro, ou um fazendeiro, ou qualquer outro que não fosse um acadêmico.


Em qualquer um deles eu comprovaria a minha total ignorância e estupidez. Na verdade seria mesmo considerado um ignorante, um estúpido.


Em um mundo onde eu não pudesse me valer do meu treinamento acadêmico ou do meu talento com as palavras e tivesse que fazer algum trabalho com as minhas mãos ou desembaraçar alguma coisa complicada, eu me daria muito mal. A minha inteligência, portanto, não é algo absoluto, mas sim, algo imposto como tal por uma pequena parcela da sociedade em que vivo.


Vamos considerar o meu mecânico mais uma vez. Ele adorava contar piadas. Certa vez ele levantou a cabeça por cima do capô do carro e me perguntou:


- Doutor, um surdo-mudo entrou numa loja de construção para comprar uns pregos. Ele colocou dois dedos no balcão como se estivesse segurando um prego invisível e com a outra mão imitou umas marteladas.


O balconista então lhe trouxe um martelo. Ele balançou a cabeça de um lado para o outro negativamente e apontou para os dedos no balcão. Dessa vez o balconista trouxe vários pregos, ele escolheu o tamanho que queria e foi embora.


O cliente seguinte era um cego. Ele queria comprar uma tesoura. Como o senhor acha que ele fez?


Eu, indulgente, levantei a mão direita e com dois dedos cortei o ar, imitando uma tesoura.


- Mas você é mesmo muito burro! Ele simplesmente abriu a boca e usou a voz para pedir!!!


Enquanto meu mecânico gargalhava, ele ainda falou:


- Tô fazendo essa pegadinha com todos os clientes hoje.


- E muitos caíram? Perguntei esperançoso.


- Alguns. Mas com você eu tinha certeza absoluta que ia funcionar.


- Ah, é? Por quê???


- Porque você tem muito estudo, doutor. Sabia que não seria muito esperto.


E algo dentro de mim dizia que ele tinha alguma razão nisso tudo.


(tradução livre do original What is inteligence, anyway??)


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